quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

torta de morango

conversas de bar I

Eu corro carregando minhas sacolas de compras, como sempre, estou atrasada. Enquanto vou desviando das pessoas, vou pensando em desculpas para meu atraso, mas ele já conhece todas e acredito que meus atrasos fazem um bem danado à nossa relação.

Sinto calor, dobro a esquina e paro de correr, dou uma ajeitada em meu casaco preto e meu cabelo, mas logo desisto, descobri há muito tempo que sou descabelada por natureza. Paro em frente à cafeteria e pelo vidro o vejo sentado na mesa mais afastada, olhando o relógio. Então sua atenção é desviada para a rua e lá estou eu, parada cheia de sacolas e com cabelos bagunçados. Ele faz um sinal apressado para eu entrar logo e eu dou uma das minhas risadas escandalosas.

Enquanto ando em direção à mesa dele, ele fica apenas lá sentado me encarando. Eu me sento na cadeira em frente a ele e largo minhas sacolas no chão e, não existem cumprimentos calorosos entre nós, somos assim, agimos como se não nos conhecêssemos, como se não compartilhássemos horas e palavras.

- Você tá atrasada- ele acusa e eu abro a boca pra protestar- e nem me venha com a desculpa do metrô lotado e que as pessoas não te deixam entrar nele. Eu vi suas sacolas gigantes.

- Não vou pedir desculpas, você sabe que elas não sinceras quando dirigidas a você- eu falo e ele ri- E enfim, eu preciso controlar esse meu consumismo – eu já me preparo para meu discurso psicológico sobre meu consumismo desenfreado, mas sou surpreendida com o toque da mão quente dele na minha, me perco nas minhas próprias palavras. - Me fala da sua semana, me distraia - e ele começa a me contar sobre suas últimas ressacas e sobre o fato de ter enjoado de ter ouvido o novo DVD do Metallica, o que me deixa muito surpresa por sinal.

Por algum motivo eu gosto de estar ali com ele, sem me importar com o tempo fora daquelas paredes de vidro, alheia ao que acontece ao meu redor. Ele vai falando sobre os últimos filmes que viu e eu falo sobre os livros que eu li. Ele me guia entre suas relações com filmes e eu o guio entre minhas historias malucas.

- Acho melhor te alimentar- ele diz quando eu acabo de lhe contar sobre a primeira vez que fui parar na diretoria, e antes que eu faça algum protesto, ele pede um pedaço de torta de morango. – Tô te devendo uma, lembra? – eu faço que sim com a cabeça meio incrédula por ele ter lembrado algo tão superficial que lhe pedi logo após nosso primeiro beijo.

A garçonete traz o pedaço de torta, junto com uma colher e eu peço pra ela me trazer mais uma colher. E ele arqueia uma sobrancelha.

-Ué, vamos comer nossa primeira torta juntos. Não é extremamente anormal pra nós? – eu digo dando uma risada. Damos a primeira colherada no pedaço juntos e ele acaba em segundos. E pedimos outro pedaço de torta e conversamos mais. E agora falamos sobre nossas famílias, e sobre como somos tão parecidos e mimados.

Ele fica admirado com fato de eu comer apenas sobremesas com a mão esquerda. Ele me faz rir quando me imita falando e passando as mãos nos cabelos. Ele não se importa quando eu o xingo dos nomes mais escrotos possíveis, e eu não finjo não me importar quando ele me elogia.

E falamos sobre músicas e sobre os futuros shows que vamos. E acabamos entre uma colherada e outra montando uma playlist para o show do U2- o que me faz rir por dentro por ter me feito lembrar alguém do passado- e decidimos ao final que o Bono não pode beijar a bandeira dos estados unidos novamente e nem chamar uma garota pra ele dar um selinho.

Rimos juntos por confessarmos que nos odiávamos muito mais há 3 meses atrás e que somos pessoas que não

sabem agir normalmente. Gostamos de Natal e decretamos leis para o mundo, não o nosso mundo particular, o mundo em geral.

- Está proibido falar que o Natal é uma época hipócrita!- ele fala levantando a colher e eu caio na risada. – E te achar metida a primeira vista, porque cá entre nós, eu achei isso. E emendo dizendo que te achei muito azeda também.

-Eu nem tenho cara de metida. - eu falo incrédula.

- Relaxa, eu já perdoei essa parte, só porque suas pernas são lindas.- ele ri e olha por debaixo da mesa e volta dizendo que acha uma pena eu usar calças jeans.

- Eu tiraria todo essa sua falta de escrúpulos e criaria mais homens com sardas, como você. - eu disparo e me arrependo logo em seguida, porque ele começa um discurso sobre como as sardas dele me seduzem. – Dá um tempo. – eu digo, enquanto sou servida por mais um pedaço de torta.

- Eu te daria mais tempo, você sempre diz que precisa de tempo. – ele diz, enquanto dá outra colherada no meu pedaço de torta. – E eu tiraria as placas de sinalização e os retornos... Seria muito mais fácil pra dirigir sem placas e pra retornar, eu apenas passaria por cima da grama e estaria do outro lado da pista. - E isso me faz rir, sempre dou risada com essa vontade de ser imprudente no transito que existe nele.

- Eu decreto que todas as terças-feiras seriam dias para comer torta e fazer compras- eu digo e ele grita “consumista”- e todas as sextas-feiras dia de beber cerveja- eu continuo sem dar bola e ele grita “bêbada” e caímos na risada.

Ele briga comigo quando eu olho o relógio, desvia minha atenção para qualquer outra coisa. E toda vez que nossas mãos se tocam, eu sinto o exercito de clones de Star Wars dentro do meu estomago. Confesso coisas que se passam na minha cabeça nos últimos tempos, minhas confissões são entregues a ele ali naquela cafeteria.

- E sabe, acho que estou cada dia mais perto do poço, como em Clube da Luta, como se eu tivesse mesmo uma marca feita por algum reagente químico em minha mão, como se eu quisesse mudar essa realidade, esse meu consumismo. Como se eu quisesse deixar minhas marcas nas pessoas, mas não soubesse como. – eu rio nervosa por toda minha paranóia- acho que na verdade, só quero que no final de cada dia meu toque “Where is my mind”.

- Acho que todo mundo dessa geração quer mudar algo de sua realidade, e eu acredito que seja uma boa causa para nós. – ele diz- você só não pode se tornar depressiva por isso. Ou bêbada. Se bem que já é tarde pra isso... Você quase bebe o mesmo tanto que eu.

- Menos, bem menos, por favor. – eu digo com minha cara de tédio que o faz rir horrores.

- Mas se você quiser eu dou um jeito de você sempre ouvir ‘where is my mind’ no final do dia. - ele diz.

- Tá ficando muito sentimental, pro meu gosto. - eu aponto a colher pra ele e ele ri coçando a barba por fazer.

- Você está muito longe de mim. – ele aponta para a mesa e eu digo que gosto

da distancia entre nós às vezes. E não nos pressionamos a nada, a entrar na rotina um do outro, porque achamos que na maioria dos casos, é essa falta de sossego que acaba com tudo, o casual é bom, e funciona para nós. Não vemos motivos para marcar futuros encontros ou planejar qualquer coisa, sabemos que estaremos lá naquele dia e naquele horário sempre que um quiser e precisar.

- Posso te confessar algo?- ele pergunta, largando a colher na mesa.

- Claro, contanto que não seja nada pervertido.- digo rápido e cruzo minhas mãos em cima da mesa.

- Nunca pensei que um dia teríamos uma conversa assim- ele continua- sempre vi você como uma pessoa cercada por muros impenetráveis, sei lá por que... acho que é porque eu sou assim também.

- É meio frustrante descobrir que sou vulnerável a você – eu seguro a mão dele - e que você é vulnerável a mim. Acho simplesmente tão surpreendente que nem sei criar um discurso psicológico pra isso, deixo essa parte para minhas amigas e minha mãe.

- Como você consegue ser assim? - ele me olha enquanto como mais um pedaço de torta sozinha- desse jeito tão debochado, sem se importar com seu cabelo ou com os palavrões que solta.

- Isso era pra ser um elogio?- eu olho incrédula pra ele.

- Sim. - ele diz, se encostando na cadeira.

Eu aponto a colher pra ele enquanto mastigo.

- Você vai acabar gostando de mim, sabia?- eu digo e volto a dar outra colherada na torta.

- Eu sei. – o ouço dizer. Levanto a cabeça, encontro o olhar dele e sorrimos. Um sorriso de cúmplices, como se ele acabasse de me contar um grande segredo e assim, eu me tornasse guardiã dele.

- Sabe, - eu digo e aponto para a torta com a colher- eu decreto que essa é a melhor torta de morango que já comi.

p.s. da narradora

é, somos assim.

e eu não sei escrever diálogos.

he’s asleep, i’m wide awake,

@PriiiG

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